Texto de Rafael José Nogueira.

Quando estamos imersos na pesquisa de nossos antepassados nos deparamos com um tipo de fonte bem diferente daquela que estamos acostumados, como as usais fontes escritas. São os relatos orais, trazidos pelos indivíduos sobre a convivência com seus ascendentes e descendentes. São lembranças e recordações que surgem e estão presentes em suas memórias, que não reivindicam rigor teórico e metodológico. Simplesmente existem, sejam memórias acabadas ou inacabadas.

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Por isso como toda fonte histórica, os relatos orais, devem passar pela análise crítica atenta e criteriosa do pesquisador. Não deve ser totalmente descreditada e nem ao mesmo tempo plenamente aceita como “verdade”. Deve ser encarada como toda fonte com potenciais e limitações nas informações que podem fornecer a genealogia.

Pela falta de experiência com a investigação genealógica, muitos acabam tomando os relatos orais de seus parentes de antemão como uma fonte indubitável de informações e acaba-se por continuar a reproduzir ainda mais as lendas de família, do que averiguar essas narrativas e distinguir o que é fantasia e o que realmente faz parte da realidade.

Essas lendas carregam algumas histórias bem similares e até repetitivas, embora sofram algumas variações e sejam sobre pessoas diferentes. Algumas delas vale a pena prestar atenção para não incorrer de aceitar elas de imediato. Entre as quais destaca-se algumas:

  • – “Antepassados vindos escondidos no navio…”
  • – “Antepassado nasceu no navio e não foi batizado ou registrado…”
  • – “Antepassados fugindo de guerras e variações…”
  • – “Meu antepassado era parente de um nobre e veio com ajuda dele…”
  • – “A igreja e cartório foram incendiados ou sofreram com enchentes…”

Junto com esses exemplos bem conhecidos, alguns aspectos perpassam todas elas e conseguimos notar ao olharmos com mais atenção essas historietas. A saber:

  • – Desarmonia cronológica entre as datas;
  • – Falta de fontes escritas que sustentem as afirmações;
  • – Mudança nas versões dependendo de quem conta;
  • – Nenhum das Informações são confirmadas pelos documentos quando encontrados;
  • – Quase sempre esses relatos nunca foram averiguados profundamente e cruzados com documentos escritos;

É claro que na maioria das vezes nossos antepassados não reproduzem essas historietas por maldade ou mau-caratismo e sim pelo sentimento de pertencimento que sentem ao reviverem elas, sejam recordações simples ou fantásticas.

É bom lembrar que é muito mais estimulante pensar que seus ancestrais estiveram envolvidos em aventuras do que em vidas cotidianas e sem grandes acontecimentos: afinal quem não ficaria fascinado se descobrisse que seu tataravô italiano foi funcionário pessoal do Rei Vittorio Emanuele II e em troca do seu trabalho foi recompensado com terras no Brasil….

Por outro lado, existem lendas que são pistas para se chegar ao que de fato aconteceu.

Imagem 1 – Imigrante Carl Julius Ludolph Parucker

Para ilustrar tomemos o caso do imigrante Carl Julius Ludolph Parucker (imagem 1) que chegou ao Brasil em 1854 e se instalou na Colônia Dona Francisca, onde hoje é a cidade de Joinville, no Estado de Santa Catarina.

Sempre houve a suspeita que Parucker veio imigrar para o Brasil para fugir supostamente de algum processo ou perseguição em Leipzig por ter trabalhado ainda na Alemanha com outro imigrante, indiciado por Conspiração nos movimentos revolucionários de 1848 nos territórios germânicos.

No entanto, era muito mais uma hipótese ligada a memória de ter estado no círculo de amizade de um outro imigrante processado do que fundamentado em um corpus documental.

A suspeita foi confirmada com a descoberta do processo que sofreu em 1849, transcrito e traduzido abaixo (imagem 2):

A. IX. O segundo [Período] de ofícios de Leipzig, dos dias 17-21 de dez. de 1849. [p.] 295-296 Nona sessão. Realizada na sexta-feira, 21 de dezembro, na parte da tarde. Jurados: proprietário Hentschel de Fischheim; proprietário de moinho Hans de Hof, arrendatário senhorial Roβberg de Zschochau, proprietário Lorenz de Groβzschocer, conselheiro comunitário Jentsch de Fischendorf, proprietário Müller de Polenz, proprietário Hentschel de Noβwitz, Juiz Steidten de Helsdorf, proprietário Hänsel de Rikolschwitz, guarda-florestal do distrito Roch de Groβboten, proprietário Julius de Bröhsem, proprietário de uma casa Boden de Trebsen. Acusados: Carl Ludolph Parucker, estudante de filosofia e fuzileiro do 2º Batalhão daqui, e Carl Robert Binder, livreiro daqui. ‒ O defensor: Adv. Helfer (de ambos, já que o Adv. Kind, defensor do primeiro acusado ficou doente.) A acusação era de incitação contra os governos alemães e preparação de uma alta traição cometida por parte de Parucker ao compor e por parte de Binder ao publicar o poema em questão, neste ano, no Nr. 26 do “Ralador de Leipzig”1, intitulado: “Depois de um ano”. Nele era relatado o que ocorrera na primavera, comparando à situação que havia ocorrido no ano anterior, apresentando conclusões e sugestões que o Ministério Público interpretou como provocativas. Os acusados, que falavam em defesa própria, seguidos pelo advogado de defesa, tentaram de todas as formas demonstrar o caráter inócuo da mencionada poesia, tentando comprovar que ela tratava a respeito das condições francesas, e não das alemãs ou quaisquer relativas à Saxônia. O promotor negou as tais defesas.

Trouxe algumas reflexões e exemplos. Espero que seja útil nas pesquisas de vocês.

Fontes:

  • Academia Joinvilense de Letras
  • Hitzig’s Annalen der deutschen und ausländischen Criminal-Rechtspflege: Band 19